Diretoria da ANTEFFA foi ouvida por portal de notícia sobre mudança na Defesa Agropecuária

30 de Maio de 2018

 

Mapa finaliza mudanças na defesa agropecuária -

 

Projeto prevê criação de agência para contratação de técnicos avulsos; auditores fiscais questionam

Portal DBO - 29/05/2018

Por Thuany Coelho

A Operação Carne Fraca, com suas ramificações, e a delação da JBS – com revelações de que auditores fiscais agropecuários receberam propina – despejaram, no último ano, um caminhão de problemas no sistema de defesa agropecuária do país e reforçaram a ideia de que era preciso mudar. “Se é possível dizer que teve algo bom nessa história é que estamos tendo que reformar o modelo: regionalizar, diminuir conflito de interesses e interferência de poder político, e aumentar a meritocracia na tomada de decisão, diz o secretário de Defesa Agropecuária (SDA), Luís Rangel.

Várias mudanças estão sendo propostas pela Secretaria do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) por meio de um projeto de lei, que em breve deve ser discutido com outros órgãos do Executivo, como o Ministério do Planejamento. O projeto, segundo Rangel, é bem visto por parlamentares e pelo setor privado. Entre as novidades estão a criação de um serviço social autônomo de apoio à SDA – nos moldes da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial e da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) – e a cobrança de taxas por serviços.

O projeto de mudança começou com a contratação de uma consultoria, a Neopublica, para que fizesse um diagnóstico da SDA e apontasse quais  serviços eram próprios do Estado e quais poderiam ser repassados, eventualmente, para a esfera estadual ou privada. Os resultados, segundo Rangel, mostraram que a secretaria se preocupava com atividades que poderiam ser transferidas a outras instâncias e às vezes deixava a desejar em atividades exclusivas do setor público. “E indicaram que precisávamos nos modernizar em termos de estrutura para termos mais flexibilidade, porque o modelo é engessado”.

O diagnóstico não agradou os auditores fiscais e os técnicos. Antônio Andrade, diretor de desenvolvimento profissional do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários (Anffa Sindical), que coordenou a análise da proposta dentro da entidade, afirma que um dos problemas principais do diagnóstico é que ele partiu do pressuposto de que as atividades dos auditores eram limitadas ao ‘poder de polícia’, como fechar estabelecimentos, aplicar multas, entre outras. “Mas é mais do que isso. No abatedouro, por exemplo, é feita a inspeção, que ficava como atividade acessória. O relatório só considerava como função do auditor a parte final de receber o laudo e tomar uma atitude”.

Um grupo de trabalho com diretores da SDA foi então criado para analisar o documento. “Eles fizeram um polimento do processo”, explica Rangel, e  um novo documento foi elaborado. “Ele tem pontos positivos, mas também negativos”, afirma Andrade. Para ele, houve um avanço ao ampliar a definição de fiscalização para “exercício do poder de polícia administrativa com finalidade de verificação do cumprimento da legislação, contemplando ações de controle, supervisão, vigilância, auditoria e inspeção agropecuárias”. Por outro lado, as competências exclusivas da SDA, ou seja, aquelas que não podem ser repassadas, são vistas como muito restritas, abrindo espaço para a terceirização de atividades consideradas de Estado pela entidade. “Só tem um inciso que trata de fiscalização e fala sobre a realizada em portos, aeroportos e postos de fronteiras. Onde está a fiscalização dos estabelecimentos, dos laboratórios credenciados? Quem vai ficar com isso?”, pergunta o diretor da Anffa. A parte de insumos também traz questionamentos, já que cita apenas o registro dos produtos como exclusivo da SDA. “Não é possível deixar a fiscalização para o controle da iniciativa privada”.

Agência

Uma das principais mudanças no sistema é a criação de um Serviço Brasileiro de Apoio à Defesa Agropecuária (Sebrad). O serviço social autônomo dará suporte à SDA em competências não exclusivas da secretaria, como logística, estudos, tecnologia de informação e capacitação e complementação de quadros da SDA. “Trará mais agilidade aos processos”, diz Rangel. A agência, por exemplo, poderia contratar pesquisadores ou assistentes para frigoríficos – o trabalho de inspeção e auditoria das plantas continuaria a cargo dos profissionais de carreira da SDA.

A Anffa concorda com a criação, desde que não influencie o trabalho de fiscalização. “O contratado pela agência vai ser CLT, não vai ter a mesma estabilidade ou salário e amanhã pode estar procurando emprego na mesma empresa que fiscaliza hoje. Somos a favor de contratações em atividades em que não há subjetividade e que não interferem na decisão. Mas não admitimos que atividades de fiscalização sejam exercidas por quem não for agente público”, explica o diretor da entidade. O sindicato deve apresentar suas contrapropostas sobre esse e outros pontos em breve ao secretário – como a inclusão de itens que amarrem as indicações de cargos de chefia a critérios meritocráticos e eliminem a influência política e a ampliação dos treinamentos para além do inicial. O receio da Associação Nacional dos Técnicos de Fiscalização Federal Agropecuária (Anteffa) também está relacionado a esse ponto. “Não podemos aceitar a possibilidade de que o Sebrad invada as competências exclusivas do Estado e ainda não há a devida clareza sobre isso”, afirma Afrânio Freitas, secretário geral da entidade.

Rangel garante que não existe a intenção de privatizar o sistema. Argumenta que ele já é misto em alguns sentidos, como o de contar com veterinários e agrônomos privados para a notificação de doenças e pragas, e de ter autocontrole (mecanismo que a indústria usa para gerir riscos e que deve ser reforçado no PL) das empresas a seu favor, já que quanto mais correto ele for, mais fácil o trabalho do auditor. “Existem atividades que são exclusivas do Estado [na figura da SDA] e outras que, na medida em que o risco for ponderado, posso descentralizar para o estado ou, em última instância, para o privado”. Ele cita como exemplo o processo de registros. “Eu poderia, por meio da agência, recrutar cientistas para dar suporte à avaliação do risco, para qualificar processo da tomada de decisão, que é da SDA. O registro continua sendo da SDA, o gerenciador, o fiscalizador é da SDA. Mas quem avalia o processo pode ser recrutado por essa agência”.

Financiamento

A agência teria duplo financiamento, com repasse da SDA e taxas cobradas junto a empresas de acordo com o serviço e tamanho da empresa. De acordo com Rangel, esse modelo tornaria a agência superavitária, ou seja, não impactaria no orçamento da pasta, por isso não deve enfrentar grandes barreiras no Planejamento e na Fazenda. “Quem me desafiou a criar um modelo diferente, menos dependente do orçamento do Tesouro, foi o próprio governo”. Segundo Rangel, o Planejamento não consegue acomodar o número pedido de contratações de auditores necessários para tudo, mas ofereceu um número para recompor o quadro, desde que um modelo alternativo fosse apresentado para compor o sistema junto com os auditores e técnicos federais.

Áreas iniciais

Quando o modelo for colocado em operação, Rangel quer priorizar alguns segmentos. “Quero experimentar isso com mais intensidade nos registros de medicamentos veterinários, vacinas, defensivos agrícolas e fertilizantes. Outra área em que preciso de suporte muito forte é a de respostas a questionamentos internacionais. Preciso de mais gente nessa área para dar resposta mais ágil, porque hoje às vezes demoro meses para responder a um mercado importante. E não necessariamente precisa ser um auditor fiscal, preciso de especialista em questionários, gestão de políticas públicas”.

Percepção

“Queremos diminuir qualquer percepção de que há interferência econômica perversa no processo de tomada de decisão, fazendo tudo em um ambiente legítimo”, diz Rangel. Ele acredita que o modelo possa reduzir a percepção de conflito de interesse, já que as contratações serão feitas pela agência e não diretamente pelas empresas. “Vamos supor que chegou molécula nova importante e que os agricultores precisam disso não em dois anos, não em quatro, mas em seis meses. O que os Estados Unidos fazem? Cobram US$ 500 mil, contratam emergencialmente mais gente e em 6 meses entregam  o resultado, que pode ser sim ou não. Isso pode ser feito, mas só nesse modelo. Não poderia aceitar que esse aporte fosse feito diretamente ou teria conflito de interesse. Imagina a empresa pagando analista para dizer sempre sim pra ela”. O sindicato dos auditores concorda com a cobrança de taxas, mas quer que seja em conta exclusiva da SDA e livre de contingenciamento. “Acreditamos que as taxas são necessárias, porque às vezes há uso de tempo, dinheiro e recursos humanos para avaliar um produto, por exemplo, e no meio do caminho algo muda e desistem de registrar”, conta Andrade. Para o secretário geral da Anteffa, Afrânio de Freitas, a cobrança pode receber resistência do setor produtivo. “À primeira vista, pode ser vista como mais um tributo. Mas pode ajudar a oferecer um serviço de melhor qualidade”.

Para o secretário, as mudanças não devem enfraquecer a atividade dos auditores e dos técnicos agropecuários nem criar desconfiança externa, já que modelos similares – ou até mais extremos – são adotados em outros países, sem caracterizar privatização. “A Austrália privatizou todo o sistema e do dia para a noite todos os mercados se fecharam. Aí tiveram que negociar”, relata Rangel. Sobre as mudanças adotadas no Rio Grande do Sul, ele acredita que o Estado tenha sido ousado demais ao criar uma empresa privada e separar a fiscalização da inspeção. Recomendou ao secretário de Agricultura Ernani Polo e ao governador Ivo Sartori que o Estado se adeque ao modelo nacional, pois o estadual pode gerar maiores problemas de conflito de interesse. “Não quero dizer que o modelo que estou propondo é imune a problemas. Temos que estar vigiando o tempo todo. O nosso é até inspirado no do RS, mas mais adequado à visão da sociedade sobre conflito de interesse. Temos que ser mais eficientes, mas preservando a percepção de que não há conflito. E exercitar o terceiro pé da análise de risco: a comunicação”, finaliza o secretário.

 

 



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